1846 – Registro Geral das Hypothecas (Decreto n.º 482 – 14/11/1846)

DECRETO N.º 482 – DE 14 DE NOVEMBRO DE 1846.

Estabelece o Regulamento para o Registro geral das hypothecas.

Hei por bem, para execução do Artigo trinta e cinco da Lei numero trezentos e
dezasete, de vinte e hum de Outubro de mil oitocentos quarenta e tres,
Decretar o seguinte Regulamento.

Art. 1.º O Registro geral das hypothecas, creado pelo Artigo trinta e cinco da
Lei numero trezentos e dezasete, de vinte e hum de Outubro de mil oitocentos
quarenta e tres, fica estabelecido em cada huma das Comarcas do Imperio, e
estará provisoriamente a cargo de hum dos Tabelliães da Cidade ou Villa
principal da Comarca, que for designado pelos Presidentes, nas Provincias,
precedendo informações dos Juizes de Direito.

§ único. Na Côrte, e nas Capitaes das Provincias, onde o Governo julgar
conveniente, poderá haver hum Tabellião especial encarregado do Registro
geral das hypothecas.

Art. 2.º As hypothecas deverão ser registradas no Cartorio do Registro geral da
Comarca onde forem situados os bens hypothecados. Fica porêm exceptuada
desta regra a hypotheca que recahir sobre escravos, a qual deverá ser
registrada, no registro da Comarca em que residir o devedor.

Não produzirá effeito o registro feito em outros Cartorios, e igualmente o que
for feito dentro dos vinte dias anteriores ao fallimento.

Art. 3.º As hypothecas que comprehenderem bens situados em differentes
Comarcas, serão registradas em cada huma dellas. O mesmo se praticará,
quando a hypotheca, posto que limitada a huma propriedade ou fazenda, parte
desta for situada em huma Comarca, e parte em outra. A data do primeiro
registro que, em taes casos, se fizer em huma Comarca, marcará a epoca dos
effeitos legaes da hypotheca, com tanto que o registro, nas outras Comarcas,
se não demore, depois do primeiro, mais que o tempo necessario para nellas
se effectuar, contando-se a distancia á razão de duas leguas por dia, do lugar
do primeiro registro para o dos outros.

Art. 4.º Deverão ser registradas no Cartorio do Registro geral todas as
hypothecas convencionaes, quer geraes, quer especiaes.

Art. 5.º São competentes para requerer o registro das hypothecas, por si, ou
por seus Procuradores, munidos de poderes especiaes, os credores e os
devedores, e quaesquer outras pessoas interessadas em que os direitos
hypothecarios se conservem, e produzão todos os effeitos legaes.

Art. 6.º As pessoas que pretenderem registrar alguma hypotheca, deverão
apresentar ao Tabellião do Registro geral da Comarca onde se acharem
situados os bens hypothecados: 1.º o titulo que constituir a hypotheca, ou em
original, ou em traslado authentico: 2.º copia duplicada e fiel do mesmo titulo,
assignada pela propria parte, ou seu bastante procurador, e competentemente
sellada.

Art. 7.º Se a hypotheca puder provar-se por escripto particular, nos casos em
que, pela Lei, tem força de escriptura publica, o titulo original somente poderá
ser supprido por instrumento authentico extrahido do Livro de Notas em que
tenha sido lançado.

Art. 8.º As assignaturas que authenticarem os titulos apresentados pelas
partes, serão reconhecidas pelo Tabellião do Registro, antes de o fazer, ou por
duas pessoas de credito, na sua presença, por elle reconhecidas pelas
proprias, do que portará fé.

Art. 9.º Dos referidos titulos, deverá constar o pagamento do sello fixo, ou
proporcional, a que estiverem sujeitos, pena de nullidade do registro que por
elles se fizer.

Art. 10. Os Tabelliães do Registro geral das hypothecas, immediatamente que
lhes for apresentado algum titulo, na fórma do Artigo sexto, para registrar,
acompanhadas das duas copias, tomarão d´elle apontamento, no seu Livro
“Protocolo”, lançando-o por extracto, debaixo do numero que competir, na
ordem successiva do ultimo titulo que se achar lançado, e escrevendo, nas
duas copias do sobredito titulo, a seguinte verba, que assignarão. “N.º …
apresentada, e annotada a folhas … do Protocollo do Registro geral das
hypothecas da Comarca de …. em … (a data)”. Entregarão huma das mesmas
copias, assim averbada, á parte, e conservarão a outra em seu poder,
competentemente emmassada.

Art. 11. Os assentos dos registros das hypothecas serão lançados diariamente,
no Livro do Registro geral, guardada a numeração dada no Protocolo á verba
correspondente, e a mesma data; e consistirão os mesmos assentos na copia
litteral do titulo verbo ad verbum, com as formalidades praticadas pelos
Tabelliães no lançamento de documentos nas suas notas, a requerimento de
partes, não devendo mediar entre huns e outros registros, espaço em branco,
mais que o preciso para distinguir.

Art. 12. Effectuado o registro, o Tabellião restituirá á parte o titulo que
acompanhar a minuta, annotado com a seguinte verba por elle assignada: “N.º
… Fica registrado a folhas … verso do Livro (o numero do Livro) do Registro
geral das hypothecas da Comarca de ……. em … (a data do registro).

Art. 13. São effeitos legaes do registro das hypothecas: 1.º tornar nulla, a favor
do credor hypothecario, qualquer alienação dos bens hypothecados, que o
devedor possa fazer, posteriormente ao registro, por titulo, quer gratuito, quer
oneroso: 2.º poder o credor hypothecario com sentença, penhorar e executar
os bens registrados, em qualquer parte que elles se acharem: 3.º conservar ao
credor hypothecario o privilegio de preferencia, nos bens registrados que, pela
hypotheca, possa haver adquirido.

Art. 14. Depois da installação do Registro das hypothecas, em qualquer
Comarca, os effeitos legaes das hypothecas dos bens n´ella situados, só
começarão a existir da data do registro das mesmas hypothecas.

Art. 15. No caso, porêm, em que duas hypothecas do mesmo devedor sejão
registradas no mesmo dia, não terá huma preferencia sobre a outra, ainda que
o Tabellião declare que huma foi registrada de manhã, e outra de tarde. Valerá,
em tal caso, em igualdade de circunstancias, a data das escripturas.

Art. 16. As inscripções das hypothecas anteriores á installação do Registro
serão feitas em Livro distincto e separado d´aquelle em que se fizerem as
anteriores, porêm com as mesmas formalidades.

Art. 17. Os credores hypothecarios, por titulos de data anterior á installação do
Registro geral das hypothecas, na Comarca onde forem situados os bens
hypothecados, conservarão todos os direitos que, a esse tempo houverem
adquirido, huma vez que procedão ao competente registro, dentro de hum anno
subsequente á dita installação. As hypothecas referidas que forem registradas
depois de hum anno, só começarão a contar os seus effeitos legaes da data do
seu registro.

Art. 18. Deverão averbar-se, no Registro geral das hypothecas, as baixas ou
extincções, em todo, ou em parte, das hypothecas n´elle registradas; a sua
substituição ou transferencia para outro devedor ou credor, ou para outros
bens; e, bem assim, qualquer outra alteração ou novação do contracto, ou
obrigação hypothecaria.

Art. 19. As baixas e extincções serão feitas por virtude de consentimento das
partes, ou de sentenças passadas em julgado; e, para serem averbadas as
ditas baixas, apresentarão as partes interessadas, ao Tabellião do Registro
geral das hypothecas, o competente titulo de contracto, quitação ou sentença,
que extingue, no todo ou em parte, altera ou innova a hypotheca registrada. Os
titulos deverão ser authenticos e legalisados, pela fórma prescripta nos Artigos
septimo e oitavo.

Art. 20. As averbações referir-se-hão sempre ao titulo por que se fizerem, e
serão apontadas no Protocolo, no acto da apresentação dos titulos, e n´estes
annotadas, depois de registradas, na fórma determinada no Artigo doze.

Art. 21. Extinguindo-se alguma hypotheca, em todo ou em parte, por
transferencia, ou substituição de outros bens, a nova hypotheca estabelecida
nos bens que substuitem a primeira, não produzirá effeitos válidos, em quanto
não for competentemente registrada.

Art. 22. Os Tabelliães do Registro geral das hypothecas são obrigados a ter os
seguintes Livros: 1.º o de registro geral das hypothecas da Comarca em que
servirem, o qual será exclusivamente destinado ao registro das hypothecas dos
bens situados na mesma Comarca, lançamento das averbações a ellas
relativas, e annotações das certidões affirmativas, que passarem, da existencia
do registro de alguma hypotheca nos seus Livros: 2.º o Protocolo, que servirá
para os apontamentos das minutas e averbações, e para as annotações das
certidões negativas que passarem: 3.º O Livro indice, escripturado por ordem
alphabetica, e por fórma que facilite, sem equivoco, o conhecimento de todos
os bens hypothecados que se acharem registrados no seu Cartorio. Todos
estes Livros serão abertos, rubricados, numerados e encerrados pela
Autoridade competente.

Art. 23. O Livro do registro das hypothecas terá todas as suas paginas divididas
em duas partes iguaes, por hum traço perpendicular. Na parte esquerda se fará
o registro, pela fórma prescripta no Artigo treze; e a parte direita ficará em
branco, reservada para n´ella se laçarem successivamente, em frente dos
respectivos registros, as alterações, baixas, remoções, substituições, e mais
averbações a elle relativas, e, outrosim, para se notarem as certidões
affirmativas, que se passarem, da existencia do registro de alguma hypotheca.

Art. 24. Os Tabelliães do Registro geral das hypothecas darão certidão dos
seus Livros, independente de despacho, observando o determinado nos Artigos
seguintes.

Art. 25. Nas certidões do registro de hypothecas que passarem, deverão os
Tabelliães transcrever o teor não só do assento do mesmo registro, mas de
todas as averbações e annotações a elle relativas, que existirem nos seus
Livros, declarando em todas, a requerimento de quem forão passadas.

Art. 26. As certidões negativas que os ditos Tabeliães passarem, declarando
que nenhuma hypotheca existe registrada no seu Cartorio, relativa a
determinada pessoa, ou bens especial ou genericamente designados, só terão
vigor por tempo de seis mezes, e só poderáo ser passadas aos proprios donos
dos bens que se acharem desembargados, ou a seus bastantes procuradores;
devendo os Tabelliães que as passarem portar por fé, que são pessoas delles
reconhecidas pelas proprias. E, durante o referido periodo, não poderão passar
segunda certidão negativa do mesmo teor, ainda que as partes alleguem ter-
se-lhes desencaminhado o primeira.

Art. 27. Os Tabelliães de Notas a quem taes certidões forem apresentadas, em
prova de que se achão desembargados os bens a que ellas se referirem, os
quaes pretendão hypothecar, são obrigados a encorporal-as nas escripturas de
hypotheca dos mesmos bens, que passarem, guardando-as emmassadas, no
seu Cartorio, com a competente averbação do Livro e folhas em que ficarem
lançadas.

Art. 28. Se alguma escriptura de hypotheca for apresentada, para o registro,
não vindo nella encorporada a certidão negativa, que se haja passado, relativa
aos bens n´aquella hypothecados, o Tabellião exigirá da parte que a exhiba, e,
se recusar fazer a exhibição, tomará o registro com esta declaração, mas tal
registro não poderá prejudicar o outro, que posteriormente possa fazer-se, de
escriptura de hypotheca, na qual appareça incorporada a referida certidão,
huma vez que aquella tenha sido passada dentro dos seis mezes da validade
d´esta.

Art. 29. Os Tabelliães do Registro geral das hypothecas são responsaveis ás
partes, pelos damnos que lhes causarem, alêm de incorrerem nas penas que
competirem, por suas omissões, erros e prevaricações, e de poderem ser
processados, como estellionatarios, ou como complices de este crime, nos
casos em que nelle incorrerem.

Art. 30. Não poderá recusar, nem demorar ás partes o registro de hypothecas
ou averbações que estas lhes requererem, nem as certidões dos seus Livros
que pretenderem, sempre que se apresentarem habilitadas, nos termos
prescriptos no presente Regulamento.

Art. 31. As partes que se sentirem prejudicadas na recusa ou demora de suas
pretensões fundadas em justiça, deverão, para segurança do seu direito, e
procedimento contra o Tabellião, justificar o acontecimento, dentro de cinco
dias uteis, com duas testemunhas de vista, e notificação d´aquelle perante o
Juiz Municipal do Termo. Se a recusa ou demora for julgada infundada e
improcedente, a sentença será intimada ao Tabellião, e este obrigado a
averbal-a no seu Protocolo, e a fazer menção d´esta averbação, nas certidões
que passar, relativas ao devedor, e bens cujo registro houver recusado ou
demorado. Em taes casos, a sentença de justificação supprirá a falta do
registro.

Art. 32. Os Tabelliães do Registro geral das hypothecas levarão, pelo registro
das hypothecas, os mesmos emolumentos que competem aos Tabelliães de
Notas, pelas escripturas: pelas averbações, metade; e, pelas certidões, o
mesmo que aquelles percebem, pelas que passão, das suas notas. Pelas
certidões negativas, porêm, levarão mil réis. São obrigados a lançar a conta
dos emolumentos que perceberem, nos titulos por onde fizerem os registros ou
averbações, e nas certidões que passarem.

Art. 33. A despeza do registro das hypothecas he a cargo do devedor
hypothecarios: a das averbações e certidões pertencerá a quem as requerer.
Será todavia paga pelo credor a despeza do registro, quando elle a promover,
com direito salvo, para haver o seu embolso do devedor, e com hypotheca
especial nos bens registrados.

José Joaquim Fernandes Torres, do Meu Conselho, Ministro e Secretario de
Estado dos Negocios da Justiça, o tenha assim entendido, e faça executar.
Palacio do Rio de Janeiro, em quatorze de Novembro de mil oitocentos
quarenta e seis, vigesimo quinto da Independencia e do Imperio.

Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

José Joaquim Fernandes Torres.